A edificação mais antiga de Pedras Grandes é, provavelmente, a recém descoberta Casa-Forte do Rancho dos Bugres, que pode ter mais de 200 anos. A casa com características de forte militar, proteção ou defesa foi inventariada e tem seu processo de proteção em andamento, através de um trabalho conjunto com os técnicos do Centro de Documentação Histórica Plínio Benício do Museu ao Ar Livre de Orleans, do Centro Universitário Barriga Verde (Unibave) e Prefeitura Municipal de Pedras Grandes.

 

 “Até hoje a informação que se tem sobre o imóvel é muito pouca, não havendo clareza sobre o período de sua construção ou mesmo sua função original, embora se levante algumas alternativas como a vigília e controle dos caminhos entre a região serrana e a cidade de Laguna, ou para a proteção das primeiras plantações de videiras pelos imigrantes italianos. É possível que o imóvel date do século XVII ou XIX.” (Assis, 2020)

 

  Considera-se que em função de uma reforma no início do século XX, foi inscrito o ano 1904 em uma das empenas da casa, acompanhado das iniciais VSM – Vicenzo Savi Mondo, provável proprietário do imóvel naquela época, segundo o projeto Fortalezas.org da UFSC. “O que chama atenção no imóvel, além do esmerado trabalho em cantaria, que, aliás, era muito comum nas edificações dos imigrantes italianos, é a presença de aberturas tipo seteiras, típicas em edificações com características de proteção ou defesa.” (Assis, 2020)

 

Pedras Grandes no Caminho dos Tropeiros

 

 A primeira fase da história de Pedras Grandes pode ser situada entre os anos 1771 e 1870, época em que os tropeiros passavam pelo território então pertencente à Laguna, mas que já era ocupado pelos povos indígenas, surgindo então os primeiros habitantes nas proximidades do Rio Pedras Grandes.

 

 “Até 1771 só os selvagens carijós e o caingangue botocudo conheciam o interior da floresta que éramos. Neste ano os Lagunenses abriram o caminho, que margeando o Tubarão e o Oratório, transpunha o maciço da Serra Geral”. (Dalla’Alba, 2003. p. 122)

 

 Os tropeiros que conduziam gado e cavalos do Rio Grande do Sul até Sorocaba, em São Paulo, e dali para Minas Gerais, abriram os caminhos em direção ao litoral, servindo de base para a construção das estradas, trocas comerciais e povoamento.

 

Na altura de Nossa Senhora dos Prazeres dos Campos de Lages, os tropeiros abriram três caminhos em 1771 a fim de facilitar as trocas mercantis entre o planalto serrano e o litoral. Do planalto descia o gado, e do litoral vinham os derivados da cana-de-açúcar, da mandioca e o sal. Ao longo dos caminhos dos tropeiros, algumas colônias e cidades  foram fundadas, como é o caso da localidade de Pedras Grandes e a Colônia Azambuja.  

 

 Um desses caminhos era conhecido como a Estrada São-José Lages. Outra rota passava por São Joaquim, descia a Serra do Rio do Rastro e chegava ao Extremo Sul, sendo chamada Estrada dos Conventos.

 

 Entretanto, a mais importante ligação entre a serra e o mar aberta nesta época acompanhava o Rio Tubarão, também partindo de Lages e ponto final em Laguna. “Segundo as informações mais correntes, os tropeiros serranos que desciam o planalto em demanda ao porto de Laguna, percorrendo uma picada aberta na Serra Geral que atingia a bifurcação do rio Tubarão, deste rio com os de Passa Dois e Bonito, no lugar hoje conhecido por Barro Branco” (Belolli e Ayser Guidi, 2002)

 

 Relatos de Antônio Euclides de Lorenzi Cancelier (2021) indicam que um dos caminhos abertos pelos tropeiros passava pela localidade de Palmeiras Alta, situada em ambas as margens do Rio Palmeiras, afluente do Rio Tubarão. Dali seguiam em direção ao Rio Tubarão, desbravando lugares como Armazém, Pindotiba e Rancho dos Bugres.

 

Rancho dos Bugres na rota dos imigrantes

 

 Selau (2010) afirma que na metade do século XIX surge a necessidade do Império discriminar as terras devolutas pertencentes à Coroa, das terras ocupadas por particulares, sendo criada a Repartição das Terras Públicas, com base em uma lei de 1850. O autor fala em casos de “limpeza da área” quando se refere a ação do governo para deixar as terras livres do grupo indígena Xokleng para os imigrantes que chegariam à região a partir de 1877.

 

 Bugre, é um verbete da Wikipédia: “é uma denominação dada a indígenas por serem considerados não cristãos pelos europeus A origem da palavra, no português brasileiro, vem do francês bougre que, de acordo com o Dicionário Houaiss, possui o primeiro registro no ano de 1172, significando “herético”. O termo em francês, por sua vez, vem do latim medieval (século VI) bulgàrus. Como membros da Igreja Ortodoxa Grega, os búlgaros foram considerados heréticos pelos católicos. Desta forma, o vocábulo passou também a ser aplicado para denotar sujeitos indígenas, com forte valor pejorativo, no sentido de “inculto”, “selvático”, “estrangeiro”, “pagão” e “não cristão”.”  

 

 Conforme Ferreira (2001), no primeiro ano a Colônia Azambuja recebeu imigrantes italianos que foram localizados nas imediações do Rio Pedras Grandes, Rio Cintra, segundo confluente, Riacho do Norte, Canela Grande, Armazém e na própria sede.

 

 O ano de 1878 começou com a chegada dos imigrantes à Urussanga, um núcleo da Colônia Azambuja. No Rancho dos Bugres estabeleceram-se Domenico e Giacomo Cenin, Pietro Genovez, Giovanni e Vittorio Grandi, Antonio e Giacomo Longo e Giovanni Romagna.

 

 Rancho dos Bugres foi colonizada por famílias de imigrantes italianos, que trouxeram a imagem de São Lourenço, padroeiro até os dias de hoje. Há na chegada à localidade, uma gruta bonita e bem cuidada. A atual igreja começou a ser construída em 1966 e foi inaugurada em 1971. Atrás da igreja está o cemitério onde estão enterrados Imigrantes, com cruzes inscritas na língua italiana.

 

Casa-Forte do Rancho dos Bugres

 

 Em 2019, ao derrubar uma parede durante reforma de uma casa em Rancho dos Bugres, os proprietários descobriram uma construção fortificada que provavelmente funcionou como posto de registro e controle da passagem de pessoas e de mercadorias no trajeto entre o litoral e o planalto catarinense, no começo do século XIX.

 

 A Casa-Forte é identificada como Patrimônio Cultural de Origem Militar, segundo o ICOFORT (International Scientific Committee on Fortifications and Military Heritage), que é um comitê do ICOMOS (International Council on Monuments and Sites), órgão consultivo da UNESCO responsável pela avaliação das propostas de inscrição dos bens culturais na Lista do Patrimônio Mundial. O ICOFORT tem como atribuição pesquisar, promover intercâmbio profissional e fomentar a cooperação internacional para a identificação, proteção e preservação das estruturas, fortificações, paisagens e instalações ligadas à memória das Nações e das transformações socioeconômicas geradas pelos momentos históricos de caráter militar. (Bartholo, Mattos e Santos Júnior, 2019)

 

 Em 1904, a empena frontal foi refeita com alvenaria de tijolos, gravando-se então na mesma as iniciais do provável proprietário do imóvel naquela época (VSM – 1904), Vicenzo Savi Mondo. Devido às pequenas dimensões da construção, é provável que fizesse parte de um conjunto maior de edificações.

 

 “Esta construção é de pelos menos uns 80 anos antes desta data. As pesquisas são recentes, não sabemos muito, pode ter sido construída por um engenheiro militar. É provável que aqui funcionou um posto de registro e de controle de passagem de pessoas e do trânsito de mercadorias no trajeto entre o litoral e o planalto catarinense”, explicou Willian Marques, um dos sócios da agência Rota Ecoturismo e Aventura, de Urussanga, que organizou em maio de 2019 a 2ª Caminhada da Imigração no interior de Pedras Grandes. (Engeplus, 2019)

 

 A Coordenadoria das Fortalezas da Ilha de Santa Catarina, setor administrativo da Universidade Federal de Santa Catarina, vinculado à Secretaria de Cultura e Artes (SeCArte), desenvolve e gerencia um projeto que disponibiliza o Banco de Dados Internacional Sobre Fortificações. 

 

 O site Fortalezas.org catalogou, através do projeto Fortalezas da UFSC, a Casa-Forte do Rancho dos Bugres, hoje em ruínas, localizada na comunidade de Rancho dos Bugres, no município de Pedras Grandes, Santa Catarina, Brasil, apresentando a seguinte descrição:

 

 “Trata-se de uma construção fortificada até recentemente (outubro de 2017) desconhecida da historiografia catarinense. A antiga construção de pedra encontrava-se revestida de argamassa e incorporada a uma moradia contemporânea, de propriedade particular, cuja reforma empreendida no imóvel em 2017 veio a evidenciar as estruturas remanescentes da fortificação.

 Embora se trate de um imóvel particular, o proprietário estabeleceu acordo com a Prefeitura Municipal de Pedras Grandes, visando a preservação da construção e sua restauração e revitalização como equipamento turístico e cultural da cidade.

 Ainda há pouca informação sobre a data de construção, proprietário original e finalidade desta casa-forte. A hipótese mais provável, no momento, é que tenha funcionado com posto de registro e controle da passagem de pessoas e do trânsito de mercadorias no trajeto entre o litoral e o planalto catarinense.

 A construção tem praticamente a forma de um quadrado (cerca de 5,90 m X 5,10 m de medidas internas), em alvenaria de pedra (arenito). Nos paramentos externos a pedra é talhada em blocos (cantaria apicoada), com esmerado acabamento aparente, sem revestimento de reboco. Nos paramentos internos, no entanto, a textura irregular da alvenaria denota que o acabamento final original deve ter sido executado com revestimento de argamassa (reboco). A cobertura, agora desmontada, era em duas águas, com empena triangular frontal e posterior em alvenaria de pedra (a empena frontal foi reconstruída em 1904 com tijolos cerâmicos maciços). O telhamento era realizado com peças cerâmicas do tipo capa e canal. A estrutura de madeira apresenta sambladuras e encaixes com “torninhos” roliços de madeira (cravilhas) e frechais de madeira sobre toda a espessura do topo das alvenarias. As peças de madeira da cobertura e as antigas telhas encontram-se ainda desmontadas e preservadas no interior do imóvel.

 As esquadrias (portas e janelas) possuem forras (requadros) de pedra em cantaria, com dobradiças remanescentes compostas de gonzos de ferro cravados na alvenaria de pedra. Curiosamente, todas as quatro janelas possuem alturas diferenciadas de parapeitos e vergas. As janelas possuem internamente na sua parte superior um arco de descarga em tijolos maciços para suportar o peso da alvenaria acima da altura da verga. Além das janelas, a construção possui três seteiras de vigia, muito bem construídas em pedra talhada (cantaria), aberturas típicas de construções fortificadas.

 A área interna, sem piso, aparenta indicar a divisão do imóvel em três pequenos cômodos. o maior deles ocuparia a metade da construção, e conteria as três seteiras da casa-forte, além de duas janelas e uma porta externa. Os outros dois cômodos menores dividem igualmente a outra metade da casa, com uma janela em cada parede oposta.

 A argamassa de assentamento da alvenaria possui vestígios de conchas marinhas, provavelmente em função da utilização de areia e/ou cal de conchas proveniente da região litorânea.

 O esmerado acabamento da construção leva a crer que tenha sido executada por mão de obra qualificada e sob orientação técnica especializada (talvez um engenheiro militar).

 Em 1904, a empena frontal foi refeita com alvenaria de tijolos, gravando-se então na mesma as iniciais do provável proprietário do imóvel naquela época (VSM – 1904), Vicenzo Savi Mondo. A empena de pedra, mais antiga, apresenta vão de janela, também com requadro de cantaria, provavelmente utilizada para iluminação de um possível sótão.

 Devido às pequenas dimensões da construção, é provável que fizesse parte de um conjunto maior de edificações, contando com  estábulo, depósito, etc.

 No momento faz-se necessário ampliar as pesquisas históricas e documentais sobre a construção, realizar uma pesquisa arqueológica no interior da construção e seu entorno imediato, iniciar um projeto de restauração para o imóvel e instruir o processo para tombamento do monumento em nível municipal, estadual e nacional”. (Projeto Fortalezas)

  

Referências

 

Ferreira, Desembargador Vieira. Azambuja e Urussanga: memória sobre a fundação, pelo engenheiro Joaquim Vieira Ferreira, de uma colônia de imigrantes italianos em Santa Catarina. Editora: LELO. 2001

 

Selau, Maurício da Silva. A ocupação do território Xokleng pelos imigrantes italianos no sul catarinense. Florianópolis: Bernúncia, 2010 

  

Dall’Alba, João Leonir. Pioneiros nas terras dos condes. Orleans: Gráfica do Lelo, 2003.

 

Belolli, Mário e Joice Quadros, Ayser Guidi. História do Carvão de Santa Catarina. Criciúma: Imprensa Oficial do Estado de Santa Catarina, 2002

 

Projeto Fortalezas. Banco de Dados Internacional Sobre Fortificações. URL: https://fortalezas.org/index.php?ct=fortaleza&id_fortaleza=2183

 

Engeplus. Caminhada da Imigração é realizada no interior de Pedras Grandes, Por Redação Engeplus, Colaboração: Ana Lúcia Pintro / Assessoria de imprensa, em 20/05/2019 às 13:08. URL: http://www.engeplus.com.br/noticia/geral/2019/caminhada-da-imigracao-e-realizada-no-interior-de-pedras-grandes

 

Bartholo, Roberto, Mattos, Flávia Ferreira de e Santos Júnior, José Claudio dos (organizadores). Patrimônio cultural de origem militar: contribuições do ICOFORT RIO 2017 / Rio de Janeiro: Florescer, 2019. e-book http://www.ltds.com.br/wp-content/uploads/2020/04/icofort.pdf

 

UFSC: Arquiteto Roberto Tonera representou a Coordenadoria das Fortalezas no ICOFORT RIO 2017

URL: https://fortalezas.ufsc.br/2017/11/30/2717/

 

Assis. Regina Cardona de (Coordenação). AMUREL: PLANO DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL DO TURISMO DA REGIÃO SERRA & MAR – SC. 2020. 

URL: https://www.amurel.org.br/uploads/1522/arquivos/1963104_Diagnostico_Serra__Mar.pdf

 

Folha Regional: Casa-Forte do Rancho dos Bugres é ponto de visitação em Pedras Grandes

URL: https://www.folharegionalwebtv.com/geral/casa-forte-do-rancho-dos-bugres-%C3%A9-ponto-de-visita%C3%A7%C3%A3o-em-pedras-grandes-1.2235726

 

Folha Regional Web TV: Casa-Forte do Rancho dos Bugres é ponto de visitação em Pedras Grandes 

URL: https://twitter.com/fregionalwebtv/status/1273233236601245704?lang=ar

 

Roberto Tonera. Fortalezas de Santa Catarina a caminho de tornarem-se Patrimônio Mundial (PATRIMÔNIO CULTURAL DE ORIGEM MILITAR)

URL: http://www.ltds.com.br/wp-content/uploads/2020/04/icofort.pdf

 

Circuito Cidade das Praias: Casa-Forte do Rancho dos Bugres é ponto de visitação em Pedras Grandes. Localizada no bairro Rancho dos Bugres, em Pedras Grandes, a Casa-Forte trata-se de uma construção fortificada até recentemente, desconhecida da historiografia catarinense.

URL: https://www.facebook.com/circuitocidadedaspraias/photos/a.128166008805583/325096035779245/?type=3 

 

Lorenzi Cancelier, Antônio Euclides de. Entrevista ao autor. Palmeiras Alta, 2021.

 

Wikipedia. URL: https://pt.wikipedia.org/wiki/Bugre




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