Desativada desde a enchente de março de 1974, a Estacão Ferroviária de Pedras Grandes é provavelmente uma das mais bem conservadas entre as pioneiras da antiga Estrada de Ferro Donna Thereza Christina (EFDTC) e hoje abriga um centro cultural e turístico.
(por Júlio Cancellier, jornalista, mestre em Cinema Digital e Produção Televisiva pela Universidade Católica de Milão – 05/11/2021)
Construída por ingleses, entre os anos de 1880 e 1884, a Ferrovia do Carvão – como ficou conhecida a linha de 110 quilômetros que ligava o porto de Imbituba às minas de Lauro Muller – foi inaugurada no dia 1º de setembro de 1884, mesmo dia em que passou a funcionar a estação de Pedras Grandes.
Um dos registros fotográficos mais antigos do prédio, digitalizado por Cheila Felipe, mostra o estado de destruição que se encontrava antes de ser restaurada. Havia uma outra edificação, integrada à estação, mas que infelizmente hoje já não existe mais.
Desde 1989, a estação localizada na Avenida Arcânjo Gabriel, 440, centro de Pedras Grandes, abriga a Casa da Cultura, uma biblioteca pública, o museu municipal com rico acervo histórico e também é a sede da Secretaria Municipal de Turismo e Cultura, mantendo as características de uma estação, com os trilhos, peças de locomotivas e o letreiro indicativo da cidade, tal como era no tempo em que servia para o embarque e desembarque de passageiros e cargas.
História
Walter Zumblick apresenta em seu livro sobre a ferrovia a lista das terras cortadas pela EFDTC. A propriedade situada entre os quilômetros 77,420 e 77,860 pertencia a Vitalina Rosa de Jesus, que vendeu por 100$000 (valor em réis) para a ferrovia.
Exatamente no km 77,470 do Ramal de Lauro Müller, a uma altitude de 39 metros, foi construída a estação Pedras Grandes, na época uma localidade do município de Tubarão que passou a ser distrito em 1888.
A construção da ferrovia se inicia em 1880, pela empresa James Perry Co. A mão de obra empregada era em sua maioria de imigrantes italianos, que aportaram na região alguns anos antes. A estrada de ferro foi inaugurada em 1º de setembro de 1884, ao som da banda musical de Imaruí. (Wikipedia)
“A ferrovia possui sete estações, Imbituba, Bifurcação, Laguna, Piedade, Pedras Grandes, Orleans e Minas, tendo (também) pontos de paradas (…) Todos os edifícios são de tijolos e pedras. Acha-se em estado regular. Tem armazéns em todas as estações exceto Bifurcação e Orleans (…)” (Relatório de 1887 apresentado por João Caldeira d’Alvarenga Messeder, engenheiro fiscal da estrada, ao Presidente da Província de Santa Catarina).
Pessoa Jr. (1886) relata: “Esta estação (Pedras Grandes) está destinada a servir à colônia Azambuja, distante para o sul cerca de duas léguas, e, no caso da construção de um ramal à localidade de Urussanga e ao fertilíssimo município de Araranguá (…)”
Segundo Piazza (1994) e Felippe (2007), em meados de 1880, ou seja, em menos de 3 anos de fundação e devido a sua relativa autossuficiência, a Colônia Imperial de Azambuja já contava com mais de 20 engenhos de cana de açúcar, 7 atafonas, uma serraria hidráulica, uma olaria, uma ferraria, comunicação telefônica e diversas casas de comércio. Por conta deste estágio desenvolvimentista e através do decreto imperial brasileiro nº 8366 de dezembro de 1881 a Colônia Estatal conquistou a sua emancipação.
Projetava-se naquela época a expansão da Estrada de Ferro para o Vale do Araranguá, através de uma linha partindo de Pedras Grandes, passando por Azambuja, Urussanga e Criciúma.
Conforme Tonetto, Guizzo e Pirola (2015), a EFDTC, desde sua inauguração, teve várias concessões autorizando a construção de ramais ferroviários, entre elas a Lei Nº 110, de 5 de setembro de 1891, que concedeu a José Arthur Boiteux e a Antônio Luiz Collaço o privilégio para construção de um ramal de Tubarão a Araranguá e a Lei Nº 121, de 5 de outubro de 1895, para João Luiz Collaço executar o mesmo projeto. Ambas as concessões não se concretizaram.
“Outra Lei, a de Nº 452, de 26 de setembro de 1900, determinava a construção de um ramal que, partindo da Estrada de Ferro Donna Thereza Christina, na Estação de Pedras Grandes, passando por Azambuja, Urussanga, Cocal, Criciúma, chegaria a Araranguá. Esse foi o último registro relativo ao ramal que ligaria os principais núcleos da Colônia Azambuja, conforme se previa e era o objetivo: ligar o Vale do Tubarão ao Vale do Araranguá, explorando suas terras férteis, incentivando a produção agropecuária e a industrialização”, afirmam Tonetto, Guizzo e Pirola (2015).
Do jornal República da capital, Desterro, edição de 18 de novembro de 1891, Tonetto, Guizzo e Pirola (2015) extraíram um artigo que confirma a necessidade do ramal iniciando em Pedras Grandes: “Cada dia nos parece da maior urgência a construcção do ramal da ferrovia D. Thereza Christina para Cresciuma… Supponhamos que o colono, tendo de exportar 50 saccos de milho, necessita de 5 carros, pois em caminhos como o de Cresciuma para Pedras Grandes, que é actualmente o ponto consumidor mais perto, não pode um carro conduzir mais de 10 saccos em uma carrada, devido aos caminhos serem totalmente maus para essa espécie de conducção.” (Grafia original)
A ideia do novo ramal começando em Pedras Grandes foi abandonada definitivamente nas décadas de 1910 e 1920, com a construção da interligação com Criciúma, Urussanga e Araranguá, a partir de Tubarão.
A estação dos imigrantes
A Ferrovia Tereza Cristina e consequentemente a estação de Pedras Grandes tiveram papel relevante no processo de colonização da região Sul de Santa Catarina. Além de transportar carvão, a estrada de ferro era utilizada também para a condução dos imigrantes para as Colônias.
Como é posterior à fundação da Colônia Azambuja, a EFDTC só começou efetivamente a transportar os imigrantes dois anos após a instação da Colônia Grão-Pará, iniciada em 1882, e plenamente com a Colônia Nova Veneza, a partir de 1891. Os imigrantes estabelecidos inicialmente em Azambuja, Urussanga e Cresciuma vieram em canoas pelo rio Tubarão, carros de boi e caminharam no meio da floresta.
Segundo Tonetto, Guizzo e Pirola (2015), “Os italianos que chegaram a partir de 1884 se dirigiam de trem até a Estação de Pedras Grandes. De lá, passando por Azambuja, eram destinados aos seus lotes, nos diversos núcleos da colônia, diferentemente dos imigrantes que vieram anteriormente a essa data, que fizeram esse percurso em carros de bois e com longas caminhadas, com crianças pequenas e suas bagagens”.
A Companha Metropolitana, concessionária da Colônia Nova Veneza, era proprietária do “Armazem das Pedras Grandes”, cujo gerente, G. Bortoluzzi, assinava os recibos de compra de produtos fabricados pelos imigrantes, a fim de serem comercializados ou embarcados na estação de Pedras Grandes. Teixeira (2011, p.79) apresenta um destes recibos datado de 30 de setembro de 1892.
Ao destacar o papel histórico da Thereza Christina no transporte de imigrantes, Teixeira (2011, p 54 a 59) afirma que “A gratuidade do transporte foi regulamentada pelo Aviso do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Púbicas, nº 58, de 4.4.1886 e já em 19.4.86, solicitava o engenheiro fiscal, ao Diretor Roberts, a franquia no transporte dos imigrantes, que, proximamente iriam chegar a Imbituba, a bordo do navio Humaytá”. (p 58)
O historiador consegui levantar um número parcial dos imigrantes italianos transportados desde agosto de 1887 até dezembro de 1895. “Em agosto de 1887, apenas dois imigrantes foram transportados, com destino a Pedras Grandes. Em maio de 1888, outros cinco foram depositados em Pedras Grandes. e, no mês seguinte, 22. Durante o primeiro semestre de 1888, 249 imigrantes foram deixados em Pedras Grandes e Orleans. Eles trouxeram consigo, duzentos e três volumes (bagagens) totalizando 17.103 kg. No segundo semestre de 1890, eles foram 1.137 e se dirigiram também a Pedras Grandes, trazendo 707 volumes que pesavam 21.735 kg. Em janeiro, 339, em abril, 189 e em maio, 119, que, somando, totalizam 647 com 28.550 kg de bagagens. Seu destino, Pedras Grandes. Em julho de 1892, vieram 40 imigrantes, para Pedras Grandes e Orleans. No ano de 1893, 59, em fevereiro, para Pedras Grandes, 4, em março, 126 em junho e nove em julho. Trouxeram consigo 155 volumes, pesando 14.780 kg. Em 1895, era evidente o declínio na chegada de imigrantes para a região: no primeiro semestre foram apenas 24, para Minas, trazendo cinco volumes, pesando 5.000 kg e, no segundo semestre, 69 volumes pesando 5.250 kg, desembarcando em Pedras Grandes e Minas” (Teixeira, 2011, p 59)
A pesquisa de José Warmuth Teixeira concluiu que “nos meses estudados, um total de 2.374 imigrantes chegou à região, trazendo 1430 volumes, pesando 100.496 kg em bagagens”. (p. 59)
Transporte de passageiros
Encontramos no ano de 1895 um registro do uso da Estrada de Ferro como meio de transporte de passageiros. Zulmar H. Bortolotto conta, em História de Nova Veneza, um fato interessante, com a passagem de autoridades pela estação de Pedras Grandes.
Por ocasião da Festa de São Marcos daquele ano em Nova Veneza, o jovem governador do Estado, Hercílio Pedro da Luz, de apenas 34 anos de idade, e o cônsul italiano em Santa Catarina, Conde Alberto Roti organizaram uma excursão ao Sul do Estado, partindo da capital montados em cavalos no dia 21 de abril de 1895. Chegando a Imbituba, no dia seguinte, o governador e comitiva foram recepcionados pelo Sr. John Adams, Superintendente da Estrada de Ferro, que tocou piano para os convidados. Pernoitaram no local e seguiram num comboio especial para Laguna, passaram por Tubarão e chegaram à estação de Pedras Grandes, às 18 horas do dia 23 de abril, uma terça-feira, permanecendo no local por meia hora Foi a primeira visita de um governador e de um cônsul da Itália a Pedras Grandes
Depois de ser aberta por uma empresa inglesa em 1884, passar para o Governo da República em 1903, ser arrendada à E. F. São Paulo-Rio Grande em 1910 e pela Cia. Brasileira Carbonífera de Araranguá em 1918, em 1940 a Ferrovia volta a ser administrada pelo Governo Federal, que em 1957 a colocou como uma das subsidiárias da recém-criada RFFSA.
No ano de 1941, foi publicada um caderno, com informações gerais, sendo que na página 131 consta a tabela de preços e horários do Ramal Tubarão – Lauro Muller, bem como algumas notas de Regulamento Geral de Transportes, a saber: “1) As creanças até três anos viajarão gratuitamente, desde que não ocupem logares destinados aos passageiros; as que excederem de três até doze anos pagarão meia passagem. 2) Os bilhetes de ida e volta só darão direito a uma viagem direta, não interrompida em cada sentido. O prazo para a volta será um mês. 3) Os passes coletivos para dez, quinze ou mais pessoas dão direito ao abatimeuto de 50%, na conformidade exigida pelo Regulamento Geral dos Transportes. 4) Dimensões do volume, bagagens com passageiros, 0,70 de comprimento por 0,40 de largura por 0,25 de altura” (Reprodução Wikipedia, grafia original).
O trem de ida saia de Tubarão às 15:00 na segunda, quarta e sexta, e às 14:00 na terça, quinta e sábado. O comboio das 15:00 não parava na estação Pinheiros. A viagem de 26 quilômetros até a estação de Pedras Grandes que iniciava às 14:00 demorava uma hora e quarenta minutos para chegar à estação, ao preço de 3$900 na primeira classe e 2$700 na segunda. Quem desejasse mais rapidez deveria pegar o trem das 15:00 que fazia o mesmo trajeto em uma hora, com paradas nas estações Quilômetro 63, Guarda, Quilômetro 68, Pedrinhas e B. Norte.
O trem ficava parado na estação de Pedras Grandes por cerca de 17 a 23 minutos. Prosseguia a viagem passando por Palmeiras, Santa Clara, Orleans, Oratório e chegava a Lauro Muller. Duração total da viagem: 3 horas e 38 minutos ou 2 horas e 33 minutos, quando não parava na estação Pinheiros.
A volta de Lauro Muller também tinha dois trens, saindo simultaneamente às 7 da manhã. Costumava parar na estação de Pedras Grandes por volta das 8:22 e 9:05. O primeiro trem chegava às 9:18 e o segundo às 10:41. A volta era normalmente mais rápida que a ida.
Tonetto, Guizzo e Pirola (2015) lembram que “o ramal que passava por Pedras Grandes até Lauro Muller, com o tempo, foi perdendo seu objetivo, com alto custo de manutenção e frequentes danos por enchentes, pois se localizava às margens do rio Tubarão. Aos poucos ela foi diminuindo seus investimentos, e a falta de incentivo à indústria fez com que ao sofrer suas maiores perdas na enchente de 1974, fossem retirados totalmente os trilhos desse trajeto, ficando apenas na história esse que foi o primeiro trecho de ferrovia do Estado de Santa Catarina, implantado ainda no Brasil Império e Santa Catarina Província. Seria hoje um importante atrativo para o desenvolvimento do turismo, aliado ao patrimônio histórico, natural e cultural existente nessa região, pois ligaria a histórica cidade de Laguna aos pés da fascinante Serra do Rio do Rastro.”
Elaborado por Ralph Mennucci Giesbrecht, o site “Estações Ferroviárias do Brasil” procura mostrar as fotografias e as histórias de cada estação ferroviária de todos os Estados brasileiros. São catalogadas quase 5 mil estações, entre elas a de Pedras Grandes.
Giesbrecht afirma que “As estações ferroviárias tiveram um papel preponderante não somente no País, como em todo o mundo. Fundaram cidades, centralizaram a vida das povoações, serviram como agência de correios, trouxeram o progresso e foram em geral construídas com arquiteturas diferentes, desde as mais suntuosas até as mais simples. Até os anos 1950 eram em geral construções bonitas. Hoje, em sua grande maioria abandonadas, somente permanecem ativas aquelas que se transformaram em estações de trens metropolitanos, as que se estão no caminho dos poucos trens turísticos e as poucas que são utilizadas como central de recebimento de cargas pelas atuais concessionárias das ferrovias”.
O ramal Tubarão – Lauro Muller foi suprimido oficialmente em 02/12/1981, mas os trens de passageiros já haviam sido eliminados ainda na primeira metade dos anos 1970. “A estação de Pedras Grandes, como pode se ver, está em bom estado de conservação e os trilhos que estão na fotos são de ‘mentirinha’, existentes somente defronte à estação” (Charles Antonio Simões, Tubarão, SC, 11/2006).
Imagens
Kaktus Kid. Estacão Ferroviária da EFDTC de Pedras Grandes. Desativada desde a enchente de março de 1974. Foto de 7 de janeiro de 2017
Charles Antonio Simões. A estação. Foto de 11/2006
URL – http://www.estacoesferroviarias.com.br/eftc/pedras.htm
Mystras. É onde ficava a antiga Estação Ferroviária. O local foi restaurado e hoje é um museu, assim como o departamento de Turismo. O Museu de Pedras Grandes conta um pouco da história da cidade, com exposição de vestes, bem como peças que retratam o costume do município.
URL – https://mystras.co/pedras-grandes-santa-catarina/
Diário dos Caminhos. Durante todos esses anos que temos vindo a Gravatal, nunca havíamos visitado o município de Pedras Grandes, aqui perto. Nesta temporada, motivados pela gripe que atacou a Clarice e ao frio que nos afasta da piscina, resolvemos dar uma volta hoje até lá para conhecê-lo. Sábia decisão. 2011 – Junho, 28
URL – http://www.diariodoscaminhos.com.br/2011/06/passeio-pedras-grandessc.html
Wikiloc Vitivinícola Felippe – Azambuja – Pedras Grandes – Urussanga – SC
Referências
Tonetto, E.P.; Ghizzo, I.; Pirola, L. Colônia Azambuja: a imigração italiana no sul de Santa Catarina. Florianópolis: Epagri, 2015, 211p
Pessôa Junior, Cyro Diocleciano Ribeiro. Estudo descriptivo das estradas de ferro do Brazil. Rio de Janeiro, RJ : Imprensa Nacional, 1886
Zumblick, Walter. Tereza Cristina: a ferrovia do Carvão. Florianópolis: Ed. da UFSC, R.F.F.S.A., 1987.
Teixeira, José Warmuti. Ferrovia Tereza Cristina: uma viagem ao desenvolvimento. Ed. Autor, 2011
Bortolotto, Zulmar H. História de Nova Veneza. Nova Veneza: Prefeitura Municipal, 1992
Giesbrecht, Ralph Mennucci. Estações Ferroviárias do Brasil, URL http://www.estacoesferroviarias.com.br/eftc/pedras.htm
Piazza, Walter: A Colonização de Santa Catarina. 3ª edição. Florianópolis: Lunardelli, 1994. Página 202.
Felippe Hélcio “Se la Foresta Brasiliana Parlasse…”. 1ª edição, 2007 Biblioteca Central Campus UNESC Criciúma, SC.
Wikipedia. URL https://pt.wikipedia.org/wiki/Estrada_de_Ferro_Donna_Thereza_Christina
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